“Batuque de Terreiro” (Psirico)

ANÁLISE DE FONOGRAMA, “BATUQUE DO TERREIRO”, DA BANDA PSIRICO (2006)

Por Rayra Mayara

  1. Introdução

A música Batuque de Terreiro foi lançada no álbum MPB-Makumba Popular Brasileira pela Banda Psirico em 2006. O presente ensaio visa analisar esta canção a partir do método Universo Percussivo Baiano-UPB criado pelo maestro Letieres Leite. As partituras apresentadas neste texto são uma forma de tradução para a linguagem musical geral do complexo sistema de claves, que se baseia na oralidade e no domínio do ritmo no corpo como linguagem e princípio. Assim, levando em consideração os princípios do UPB, as partituras não traduzem com exatidão as micropolirritimias presentes na música brasileira de modo geral.

A partitura base é o desenho da música em geral e nesta apresento a melodia e a divisão de partes na música. A partir da partitura base seguem a ordem analítica deste ensaio, que está dividida por tópicos, no qual primeiro é apresentada a forma geral da música e a clave matricial do cabila. Depois analiso abertura, tema, parte A, refrão, especial e conclusão. Em todas as etapas após a explicação segue a partitura para leitura. 

Figura 1 Partitura-base de referência para a análise ao longo do trabalho

  1. Estrutura musical / Forma da Música

 A música está na tonalidade de F (fá maior)  em um andamento de aproximadamente 70 bpm. A instrumentação harmônica é composta por baixo, cavaquinho e sintetizadores, sendo predominante a sequência harmônica, F(fá maior) Dm (ré menor) Gm(sol menor) e C ( dó maior), que representam respectivamente os graus I vi ii V, sendo esta uma cadência muito presente no pagode. A música está organizada da seguinte forma: abertura, tema, parte A, parte A,  Refrão(2x) e Especial.

No que diz respeito a percussão, o Psirico é uma das bandas que representa a inovação no gênero. Os elementos eletrônicos introduzidos –  no caso da música em estudo, há forte presença de sintetizadores. Outro elemento importante é o megafone que possui  um discurso semiótico importante, no que tange a necessidade das populações negras em autoafirmar seu protagonismo na formatação cultura popular brasileira. Uma das grandes evidências deste conceito é o próprio nome do disco “Makumba Popular Brasileira-MPB”, em que, sutilmente, Márcio Vitor faz referência ao candomblé como influência direta a chamada Musíca Popular Brasileira-MPB.

Márcio Victor trouxe uma nova maneira de trabalhar o ritmo. Criando uma forma para desenhar o groove jamais visto antes, no qual os instrumentos percussivos cumprem funções diferentes. Alguns tocam poucas notas, outros tocam notas variadas, já outros tocam muitas notas, o que possibilitou a criação de camadas polirritimicas mais complexas. Com abertura de vozes para os mais variados instrumentos percussivos, que tocam em diferentes andamentos, as vezes com dobras de andamento, deixou a percussão do pagode mais sofisticada. Os desenhos complexos da bacurinha influenciados pelos toques de candomblé, como no caso da Batuque de Terreiro que começa em um agueré, assinam um som muito único. O Psirico tirou a percussão do singular, e colocou ela no plural – elementos percussivos com funções diferentes, inclusive melódicas, pois a música é cantada em clave. Outra invenção do Psirico é a bateria criada por Paulo Batera. Até a insurgência musical do Psi (Abreviação do nome da Banda) as baterias de pagode baiano tocavam mais próximas do samba de roda. Paulo Batera inova trazendo elementos da música pop américana como Michael Jackson, Mandonna e as impressões do Jazz Fusion, tornando o Psirico uma curva na história do pagode baiano.

Na música em estudo,  a seção rítmica é composta por bateria, surdo, bacurinha, conga, torpedo além do trio de atabaques, rum, rumpi e lé. A clave principal é a clave do Pagode, sendo um subgênero da clave do Cabila e  a forte presença da clave do Agueré. De acordo com o maestro Letieres Leite, em seu livro Rumpilezzinho Laboratório musical de jovens, a clave rítmica Cabila é o padrão rítmico fundamental de muitas formas de samba, quando iniciada em sua terceira posição. As figuras abaixo mostram a clave do Cabila em posição fundamental e em terceira posição e logo após, a clave do pagode junto com a clave do Cabila.


Figura 2 Clave do Cabila em posição fundamental 

Figura 4 Bacurinha no pagode e Cabila

  1.  Abertura 

A abertura é feita apenas com vozes e clave do Agueré. Baixo, bateria se apresentam no primeiro tempo dos segundo e terceiros compassos.

Além disso, sintetizadores atuam nesse contexto fazendo uma espécie de contraponto com a melodia da voz no terceiro compasso.

  1. Tema

Passado os três compassos de abertura, o baixo entra como protagonista na harmonia, determinando o swingue. A linha melódica do baixo está demonstrada na figura abaixo e desenvolve-se a partir da cadência F(fá maior) Dm (ré menor) Gm(sol menor) e C ( dó maior), respectivamente os graus I vi ii V. Esta linha apresenta-se ao longo da música quase em todas as partes. Enquanto isso, a clave do Agueré e mais sintetizadores continuam atuando.  A bateria entra fazendo o bumbo na clave do pagode.O tema começa no quarto compasso, terminando no sétimo.

Figura 9 Compassos 6 e 7. Entrada do sintetizador e clave do Agueré. É possível haver pequenas variações em relação ao original.

  1.  Parte A

A parte A se caracteriza pela entrada da letra da música e como visto na partitura base, entra a partir do oitavo compasso. A harmonia segue em cadência I- vi – ii – V, isto é, F(fá maior) Dm ( ré menor) Gm (sol menor) e C (dó maior) e vai do compasso 8 ao 11 onde se repete com a mesma estrutura harmôncia, melódica e rítmica, com diferença apenas na letra. Os dois primeiros compassos dessa parte, isto é, compassos 8 e 9 ainda são fortemente marcados pela clave do Agueré, e a consolidação no pagode acontece a partir do décimo compasso com a entrada de todos os instrumentos na clave do pagode. 

Nessa parte há grande variação de batidas na bacurinha. A figura abaixo destaca uma delas que acontece no início da repetição da parte A. Nessa variação, há presença de duas claves, Agueré e Cabila, e percebe-se uma relação direta entre a bacurinha e a clave cuja levada da primeira condiz com a segunda quase que em sua totalidade.

Figura 10 Relação Bacurinha- Clave Rítmica. Pontos vermelhos indicam os pontos de interseção com a clave.

A batida da bacurinha abaixo quando vista em conjunto com a clave do Cabila, ocorre na maior parte da música com variações quase que em sua totalidade evidenciando a clave do pagode,um  subgênero da mesma, principalmente a partir da terceira posição  da clave, como já dito anteriormente.

Figura 11 Relação Bacurinha-Clave.

No que diz respeito a parte cantada que começa na parta A, isto é, no oitavo compasso, a música apresenta grande percussividade na melodia. Segundo o método UPB essa é uma característica da música brasileira, o que evidencia a colaboração das populações africanas na diáspora para formatação da nossa cultura.  A forma de representação musical escolhida foi a sextina, isto é, 01 (um) tempo dividido em seis partes que coincidiu com as sílabas da letra.  As figuras abaixo mostram no terceiro sistema a parte cantada na primeira vez da parte A, já que da segunda a letra é alterada. Verifica-se a pouca oscilação melódica, porém, grande variação rítmica.

Figura 12 Primeiro verso da parte A

Figura 13 Segundo verso da parte A

Figura 14 Terceiro verso da parte A

Figura 15 Quarto verso da parte A

Como já dito anteriormente há uma repetição da parte A com a mesma estrutura harmôncia, melódica e rítmica, com diferença apenas na letra.

  1.  Refrão

Neste momento, chegamos em um aspecto interessante e uma das bases que norteiam o método UPB. A letra é cantada em cima da clave rítmica, e nesta caso,  a clave é do Agueré. São pouquíssimas variações por questões dos fonemas das palavras,  mas  ainda assim, é possível afirmar que a letra cantada pela melodia do refrão esta em clave. Abaixo sinalizo em negrito a localização da clave na letra. 

“ Que balança o povo, ao som da batucada. Sacode a roseira”

O refrão é executado duas vezes seguidas, sendo que na segunda há o retorno da clave do Agueré na estrutura rítmica como um todo, marcado pela volta dos atabaques com exceção do Rum e saída da bacurinha. 

Figura 16 O encontro melodia-clave

  1. Especial

Por fim, há um especial instrumental com forte presença de sintetizadores, vozes, elementos mais eletrônicos e com o cavaquinho mais presente tanto como base quanto como solo. Este momento repete-se por duas vezes seguidas e inicia-se a partir do compasso 14 indo até o compasso 17.


Figura 17 Melodia de um dos cavaquinhos junto a clave do Agueré. É possível haver pequenas variações em relação ao original.

Após a repetição do instrumental, há o retorno para a parte A. O término da canção é caracterizado pelo Especial e Refrão sendo repetido, além dos elementos eletrônicos, vocais, havendo uma junção de tudo. 

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1 PARTITURA BASE: A partitura base representa o desenho da música com representação de alguns fenômenos melódicos, representação harmônica através de cifra e entrada e saída de instrumentos. O objetivo principal é ter uma visão geral da música completa que vai se desdobrando ao longo do trabalho.


2 Segundo o maestro e compositor brasileiro Letieres Leite toda música derivada da música africana é regida por uma partícula rítmica própria chamada clave e toda variedade das claves pode ser abordada dentro de um método chamado Universo Percussivo Baiano (UPB). Retirado do texto Universo Percussivo Baiano: Uma Proposta de Utilização do Ritmo Ijexá na Aplicação do Método UPB para Treinamento Rítmico e Instrumental de Adrian Estrela e Ekaterina Konopleva.