Tia Ciata

Play Video

SAMBA E SOCIEDADE
Por Carlos Átilla

O SAMBA NASCEU NA BAHIA

Desde o século XX a grande polêmica sobre o samba é se ele nasceu na Bahia ou no Rio de Janeiro, meu pensamento sobre essa assunto é: independentemente de ter nascido na Bahia ou no RJ, ele é uma
contribuição das cultura afrodescendente à sociedade brasileira.


O samba nasceu na Bahia. É uma experiência da construção da liberdade das populações afro-brasileiras num país racializado. Assim como a imprensa, o teatro e a literatura, esse gênero musical é uma forma de liberdade que os negros construíram ainda no período da escravidão racial brasileira. Como afirmou o músico, Ernesto Joaquim Maria dos Santos, conhecido como Donga, que nasceu no Rio de Janeiro, em 1891, “o samba não surgiu comigo. Ele já existia na Bahia, muito tempo antes de eu nascer, mas foi aqui no Rio que ele se estilizou.” (SODRÉ, 1998, p.70).


O samba surgiu no recôncavo baiano, que compreende todas as cidades banhada pela baia de Todos os Santos, inclusive Salvador. O samba nasce na Bahia entre o meio rural e urbano, sobretudo das cidades de Cachoeira, Santo Amaro e Salvador, por volta de 1860.

No Rio de Janeiro, na casa de Hilária Batista de Almeida, conhecida como Tia Ciata, nascida em Santo Amaro da Purificação, 1854-1924, o samba era perseguido. A cultura afro-brasileira era indesejada pelo Estado, após a abolição da escravidão no Brasil, ocorrida em 1888. Período no qual o Brasil buscava construir a imagem internacional de um país cada vem mais branco através miscigenação e o incentivo da migração de europeus
para o país.


As festas na casa de Tia Ciata transformaram o samba. Os baianos fizeram encontros com música, dança, gastronomia e fé na capital do Brasil, esse encontro Rio-Bahia foi fundamental no período a chamada
modernização do samba nacional. A sofisticação rítmica foi herdada do samba de roda, isto é, durante esse processo cultural a clave do cabula redefiniu melodias e formas de acompanhamento da música carioca. Por
sua vez o maxixe carioca colaborou com a modernização da harmonia do samba de roda, que é caracterizado pela cadência perfeita: dominante (V) – tônica (I).


Podemos observar o samba na Bahia como “acontecimento”, ou seja, manifestação cultural, antes de ser considerado um gênero musical. A festa como uma atmosfera que convergem música, dança, fé e gastronômica.
O caboclo é um herói nacional, comemorado até os dias atuais por conta da independência da Bahia, em 1824. Todo dia 25 de junho, quando a cidade de Cachoeira se torna a capital da Bahia, ressalta-se a figura do
caboclo. No dia 2 de julho é a vez da cidade de Salvador. Quando os candomblés fazem festa de caboclo no recôncavo baiano não faltam o ritmo cabila através dos atabaques, gã, palma da mão e voz. Cabe perguntar: será
que o gene do samba nacional poderia ser encontrado nas festas e reuniões dos candomblés de caboclo desde o ano 1824/1825? Ou seja, será que o samba veio se desenvolvendo através das festas de caboclo e ganhou a
forma de samba de roda em 1860?

ESCRAVIDÃO E LIBERDADE
O Brasil possuía a maior população de negros libertos das Américas no século XIX, antes da abolição em 1888. Nesse período já era reconhecido aos africanos e afro-brasileiros libertos o direito ao pecúlio, ou
seja, o acúmulo de dinheiro. As irmandades, o candomblé e o samba são construções dos negros libertos. Entretanto, o candomblé e o samba eram práticas criminosas no país da ideologia da democracia racial 1 .
A cidade do Salvador foi a capital do Brasil, de 1549 até 1822, quando a sede passou para o Rio de Janeiro. Durante o século XIX, a nova sede do governo recebeu importante diáspora baiana, decorrente da Revolta
dos Males 1835, Guerra do Paraguai 1864-70 e Guerra de Canudos.


A Revolta dos Malês, luta contra a violência da escravidão organizada pelo sistema de poder ocidental, estava organizada pra acontecer após o Ramadã, que coincidia com a os festejos do Bomfim, em Janeiro, na cidade do Salvador. Estavam organizados para a revolta, mas foram denunciados por duas libertas nagô. Ocorreram vários conflitos com as forças de segurança, 70 males foram mortos, ocorreu pena de morte e o medo do haitianismo se instalou na cidade do Salvador, leis se tornaram mais duras, perseguições e espancamentos de negros que não estavam ligados a rebelião. Assim, vários africanos voltaram para o continente e outros migraram pra outras regiões do Brasil, inclusive o Rio de Janeiro, por conta da perseguição.


Muitos afrodescendentes baianos que lutaram na Guerra do Paraguai ao retornarem ao Brasil ficaram no Rio de Janeiro, um exemplo é Candido da Fonseca Galvão, o Dom Obá II d´Africa, neto do Rei Abiodun, governante do império de Oyo, fixou-se no capital do Brasil e virou conselheiro de Dom Pedro II. O racismo científico normatizava as relações raciais no mundo colonizado a partir da Europa, o branco foi classificado pela ciência e filosofia como superior aos africanos, ameríndios e asiáticos. O samba enquanto uma construção cultural afro-brasileira teve suas identidades criminalizadas, a cultura elaborada pelos negros sofreu processo de embranquecimento dos principais artistas da indústria pop do Brasil.

1 REIS, João. Rebelião Escrava no Brasil: a História do Levante dos Malês (1835), Companhia
das letras, 650 p. 2003; Mulher negra na Bahia do século XIX, Maria cícilia.

PÓS-ABOLIÇÃO
No contexto do após abolição o samba era perseguido pela polícia, não era alguém com o fenótipo de Alfredo da Rocha Vianna Filho, o famoso Pixinguinha, compositor e arranjador, que as elites intelectuais e políticas do Brasil gostaria que representasse o país internacionalmente. Após a abolição da escravidão em 1888, e como consequência da política de embranquecimento que em 1911 desejava ser uma nação branca em 100 anos, na década de 1990, nascer negro era sinônimo de crescer pobre. O Brasil passou todo século XX negando a importância da questão racial para a construção de uma efetiva democracia. Somente em 2005, o Brasil começou a adotar as políticas de ações afirmativas e enfrentar o racismo presente em suas estruturas sociais.


O samba e o candomblé superaram o contexto da ideologia da mestiçagem, que tinha por finalidade eliminar a população negra do Brasil, em 1911 projetou-se que no início do século XXI o Brasil seria uma nação branca. Hoje a população negra constitui mais de 50% da população nacional, em 2021, apesar dos negros serem as principais vítimas das mortes violentas.